O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo. Dito isso, é importante que veículos como o cinema deem cada vez mais visibilidade a essa parcela tão discriminada da sociedade. Então, quando foi anunciado um filme nacional em que a personagem principal é uma travesti, a expectativa veio junto com algumas ressalvas, a começar pela escalação de Carolina Ferraz, uma atriz cis (ou seja, pessoas que se identificam com o mesmo gênero que nasceu), para interpretar a travesti Glória. Porém, com o resultado final, esse ponto em específico é o menos problemático no filme de Flávio Ramos Tambellini.
Rio de Janeiro. Graça (Sandra Coverloni), mãe solteira de dois filhos, Papoula (Sofia Marques) de 15 anos, e Moreno (Vicente Demori) de 08 anos, descobre que tem um aneurisma inoperável e precisa se reconciliar com seu passado, o que a leva a procurar seu irmão, Luiz Cláudio, agora uma travesti chamada Glória.
A premissa do filme é interessante e com bastante material a ser trabalhado. Apesar de se apoiar na questão da maternidade e tentar levar ao público que uma pessoa trans também pode ser mãe – “O que define quem pode ser mãe?“, diz no cartaz -, o foco do filme não é necessariamente esse, e sim a família no aspecto geral. Mas o que poderia ser um ótimo diálogo sobre como uma família abraça o “diferente”, o texto mal construído nos entrega momentos rasos e meia dúzia de frases feitas.
Verdade seja dita, apesar de qualquer polêmica com a escolha de uma atriz cis para o papel, ou até mesmo a prótese na boca que ela usa para ficar mais “masculina”, Carolina Ferraz entrega uma boa performance e, nesse aspecto, carrega o filme nas costas. Enquanto a outra protagonista vivida por Sandra Coverloni nos brinda com uma performance abaixo da média, pouco convincente e extremamente forçada em ações básicas do cotidiano. Não fosse pela força da atuação de Ferraz em algumas cenas onde há embate das duas irmãs, haveria sem dúvida um comprometimento maior do filme pela desconfortável representação de Coverloni, sempre diminuindo o impacto emocional em questão.
Muito se fala de representatividade trans no cinema, esse filme inclusive serve para isso. Porém, por que não começar a representatividade escalando uma atriz trans para o papel de Glória? Carol Marra (modelo, jornalista, produtora de moda e atriz) é trans e está presente no filme como Fedra, amiga que divide apartamento com Glória. Apesar de bem, seu papel tem pouco mais de 5 minutos no filme.
Quanto ao roteiro, o filme é raso nas abordagens dos preconceitos sofridos pelos transexuais. Enquanto vemos Glória ouvir os maiores absurdos, não vemos uma discussão profunda sobre isso, apenas uma aceitação amarga que é esquecida na cena seguinte. Outro problema é a quase glamourização da vida de uma travesti. Glória tem seu apartamento próprio, é dona de um restaurante de sucesso num bom bairro do Rio de Janeiro, viajda, poliglota, cantou na noite enquanto morava na Europa, sua amiga Fedra é atriz tentando a vida nos testes para teatro (e se dando bem, diga-se de passagem). Tudo isso é ótimo, pois mostra que travesti não é apenas aquele ser marginalizado que a sociedade acha, e que podem ser o que quiserem. Mas colocando os pés no chão sabemos que essa é, infelizmente, uma parcela ainda muito pequena e que os obstáculos são muitos para conseguirem o valor e respeito que realmente merecem. E essa parcela ainda marginalizada tem pouco espaço e quase nenhuma discussão no filme. Com exceção de uma doença terminal, tudo o que poderia dar errado dá certo na vida dela.
A direção é outro ponto frágil, sempre escolhendo tomadas seguras e planos fechados nos rostos dos personagens. Quase não há planos abertos aqui, tudo parece focado na tentativa de nos arrancar algumas lágrimas, inclusive a péssima trilha sonora.
Apesar de todos os problemas é um filme importante, um passo a mais em direção de algo que tem que crescer muito mais ainda e se tornar significativo a ponto de promover debates e diminuir a violência na sociedade.
“A Glória e a Graça” estreia amanhã, dia 30 de março de 2017 em todo o país.
Nota: 5.0
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