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Entrevista | “As decisões da direção são sempre extremamente práticas e complexas” – Caroline Leone, diretora de Pela Janela

Chega aos cinemas brasileiros no dia 18 de Janeiro o filme “Pela Janela”, primeiro longa de Caroline Leone que foi prestigiado nos festivais de Gramado e de Havana saindo como vencedor do Prêmio da Crítica da seção Bright Future do festival de Roterdã.

Pela Janela conta a história de Rosália ( Magali Biff), uma operária dedicada de 62 anos que nos últimos 30 anos trabalhou em uma fábrica de reatores na periferia de São Paulo. Seus dias (e sua identidade) são preenchidos pelo trabalho até que ela é demitida. Rosália vivencia uma profunda tristeza pela perda do emprego. Seu irmão, José ( Cacá Amaral) com quem vive, precisa levar o carro de seu patrão até Buenos Aires, uma viagem longa para deixar a irmã sozinha em meio a tanta tristeza. Assim, ele resolve levá-la junto e Rosália aceita ir.

Esse é o primeiro longa da diretora Caroline Leone, que construiu um filme delicado contando a jornada de dois irmãos na maturidade pela geografia da América Latina e focaliza as pequenas descobertas de Rosália nos encontros ao longo do caminho utilizando com maestria silêncios, olhares, pausas e pouquíssimas palavras.

Leia abaixo os melhores momentos da entrevista exclusiva que o Cin3filia fez com a Caroline Leone :

Esse é o seu primeiro longa. Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional:
Me formei em cinema na FAAP em 2005. E ainda nos anos de faculdade fiz o meu primeiro curta: o “Dalva” em 16mm. Ele foi muito bem aceito, recebeu um monte de prêmios e com o dinheiro dos prêmios fiz o “Joyce”, que é meu segundo curta em 35mm. Paralelo a escrita e a direção eu trabalhei como montadora e aprendi muito. Em 2010 escrevi o roteiro do filme “Pela Janela”, e aí passei cinco anos captando recursos, batalhando por financiamento, até que em 2015 começamos a filmar.

Como você chegou na história de Rosália?
Esse foi um processo interessante, eu tinha a storyline e na escrita investi muito na história pregressa dos personagens, tenho muita coisa escrita sobre o que já tinha acontecido com os dois antes e que não iria aparecer no filme. Então no inicio eu tinha o argumento e esse conteúdo da vida pregressa dos dois irmãos. O primeiro financiamento que conseguimos foi para o desenvolvimento de roteiro, o que permitiu que eu fizesse essa viagem para Argentina quatro ou cinco vezes. Levava cadernos, e ia anotando as coisas que eu ia descobrindo, as coisas que eu ia vivendo e assim fui lapidando a história. Então foi um processo bem longo e de muita pesquisa. Aí, a partir das notas dos meus cadernos de viagem eu fui achando o coração das coisas, e ia encaixando e fazendo a história funcionar. Levei um bom tempo para fechar o roteiro. Depois comecei a trabalhar com os atores na preparação para o filme, porque queria que eles vivessem os personagens de modo simples e verossímil, foi um processo bem bacana.

Como foram as filmagens? Quanto tempo na estrada?
Foram 8 semanas. A gente filmou a primeira parte em São Paulo e depois na estrada mesmo, no caminho pra Buenos Aires. Na fronteira trocamos a equipe. É de fato uma co-produção, já que filmamos aqui é lá.

Quais foram os principais desafios?
Muitos desafios. Filmar na estrada é difícil, tínhamos alguns carros de apoio e duas vans, porém imprevistos podem acontecer, por exemplo, se um carro quebra, as duas horas programadas para filmar uma cena se transformam em 15 minutos. Além disso, têm as dificuldades de se fazer cinema. As decisões da direção são sempre extremamente práticas e complexas, por menores que sejam, como por exemplo, onde você coloca a câmera, o que a gente filma primeiro, tudo afeta o resultado final. Então é um processo que demanda muito afetivamente. Ver o filme pronto, conquistando um espaço e sendo reconhecido é muito bom.

Cena do filme “Pela Janela”Como foi a montagem?
Desde o princípio. No roteiro eu fiz as cenas mais longas do que seriam mostradas mas eu sabia qual era o coração de cada uma, então filmava a cena completa para depois usar o miolo. Por exemplo, a cena nas Cataratas eu tenho filmada completa, ou seja, desde a chegada deles no parque até a sua saída, mas nada disso entrou. Então a montagem foi esse processo de tirar os excessos, de respeitar a inteligência do público e deixar somente o essencial.

A trilha sonora do filme também narra a história de um modo simples e encantador. Como vocês chegaram nessas músicas?
A trilha nasceu da história de vida dos personagens. Do modo como os imaginei a família deles tinha vindo do interior para São Paulo e a mãe deles cantava para eles as Guarânias. Isso porque, nos cafezais do interior paulista tinham muitos imigrantes, do Paraguai e do norte da Argentina e todos cantavam as Guarânias em espanhol. De certo modo, as Guarânias estão nas raízes da música sertaneja paulista. Uma das duplas expoentes desse gênero, na época que a família deles veio para São Paulo é o Cascatinha e Inhana, que estão no filme. A música Anahí é sobre o poder feminino de transformação e resiliência que tem tudo a ver com a Rosália.
A música tem esse papel de memória afetiva dos personagens mas também tem muito a ver com a história do filme em si e com a História mais ampla, de uma classe trabalhadora latino-americana.

Além das músicas tem outros sons marcantes no filme, certo?

Sim. Há uma narrativa sonora, todo o som do filme é construído narrativamente. Por exemplo, os sons do começo do filme da fábrica, se repetem ao final, no terminal de ônibus, os freios da máquina ou os sons da casa que se repetem na hospedaria, para mostrar essa dimensão cíclica. Isso não é algo que eu espero que as pessoas notem mas, está lá. Constroem a narrativa também.

Como você está vendo a recepção do filme? Vai exibir na Argentina?

Está sendo ótima. Estreiamos no circuito comercial na Argentina e lá ficamos em cartaz por três meses. Teve bastante público para um filme brasileiro e a recepção da crítica foi fantástica. Saímos no La Nacion, no El Clarín e em diversos blogs.
Agora eu estou na expectativa da recepção aqui no Brasil, porque o filme consegue dialogar com pessoas de diferentes idades e classes. Vamos ver como ele vai ser recebido aqui.

Pela Janela estreia nesta quinta-feira (18) nos cinemas brasileiros. Valorize o cinema nacional! A primeira semana faz toda a diferença.

Confira as demais entrevistas:

Entrevista | “Achei a personagem deslumbrante” – Magali Biff, protagonista de Pela Janela

Entrevista | Cacá Amaral sobre “Pela Janela”

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