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A Ghost Story (2017)

Desde a aurora da humanidade, o ser humano tenta lutar contra a morte e a voracidade do tempo. No início, sua tentativa era por meio da procriação; ao passar o seu gene a diante, os indivíduos se certificavam de que pelo menos uma parte de si estaria preservada no fluxo eterno da natureza. Já os gregos acharam uma outra forma de escapar da efemeridade do tempo: apoiaram-se na ideia de que, se realizassem atos heroicos, seriam lembrados para sempre, desse modo, tornariam-se imortais. Porém todas essas tentativas de ser eterno não passam de um paliativo. Nada dura para sempre. Seja qual for o artifício que usarmos, Chronos ainda continuará a nos engolir.

Escrito e dirigido por David Lowery, A Ghost Story retrata essa fluidez da vida. Nesse filme, os personagens não possuem nome. O diretor os apresenta como arquétipos, identificados apenas pelas suas iniciais. C (Casey Affleck) é um músico casado com M (Rooney Mara), os dois têm um relacionamento estável e vivem uma vida pacata numa casa localizada em algum lugar afastado do Texas. Logo nos primeiros trinta minutos do longa, C morre em um acidente de carro. Porém, após a sua esposa reconhecer o cadáver no necrotério, ele levanta coberto por um lençol branco e retorna para sua casa na forma de fantasma.

Segundo Tarkoviski, o cinema é a arte de esculpir o tempo; David Lowery sabe muito bem como fazer isso. Durante todo o filme, o diretor utiliza planos longos, nos quais se usado de forma errônea, pode entediar o espectador. No entanto, aqui ele o faz com maestria, cumprindo assim o seu objetivo de nos deixar totalmente imersos em sua narrativa. Outra escolha arriscada é o visual do fantasma. Ele é composto apenas por um lençol com dois buracos negros para representar seus olhos. Fora de contexto, parece até cômico, uma fantasia pobre de halloween, mas no filme funciona com perfeição. Imersos na atmosfera etérea do longa, criamos uma forte conexão com o espectro de C – mesmo esse não possuindo nenhuma característica humana.

Ao voltar para casa em forma de fantasma, C passa a observar o luto da sua esposa em silêncio, sem poder falar ou ser visto. Em uma belíssima cena, Lowery nos mostra que a percepção de tempo de C é diferente da nossa. O diretor cria um plano com M passando diversas vezes na frente da figura imóvel do fantasma e usa cortes secos para representar a transição dos dias, meses ou até anos.  À medida em que o tempo avança, M começa a superar o luto, e, em um certo dia, ela decide se mudar e seguir em frente com a sua vida. A casa passa a receber novos moradores, como uma mãe de duas crianças e um grupo de jovens boêmios. Entretanto, C continua preso naquele lugar, condenado a se arrastar pela eternidade a espera daquilo que não vai voltar.

Quem nunca teve na vida uma pessoa, um acontecimento ou um sentimento que parece ser impossível de esquecer? Agora imagine estar apegado a isso por toda a eternidade. Essa é a sina de C. Seu fantasma é uma síntese dessa dispepsia humana. Ele é incapaz de seguir em frente. Representa a dificuldade do homem de limpar sua consciência, sua insistência em se manter em estado de negação e preso ao luto. Esse apego irracional é ilustrado em uma cena na qual C encontra um outro espectro na casa vizinha, que lhe diz estar à espera de alguém, entretanto, ao ser questionado sobre quem seria essa pessoa, ele responde: “não lembro”.

A Ghost Story não é apenas uma história de fantasma, é um ensaio poético sobre luto, tempo e a tragicidade da vida. Uma reflexão sobre a necessidade de se desapegar das velhas coisas para se abrir ao novo. E, sobretudo, é uma mensagem de que devemos aprender a lidar com a morte das coisas, pois o tempo é implacável e, queira você ou não, o show sempre continua.

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Thiago Henrique Muniz

É estudante de Comunicação Social, cinéfilo, filósofo de boteco e gosta de escrever nas horas vagas

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