Nos filmes dublados, é muito comum perceber a presença de frases que não fazem sentido aos nossos ouvidos, como “lá vem os tiras” ou “seu punhado de lama”. Esse é um dos motivos mais comuns para que hajam críticas recorrentes à dublagem brasileira. Mas você já parou para pensar por que isso acontece? Vamos descobrir se são os dubladores que escolhem essas frases estranhas ou se há outros profissionais por trás disso.
Primeiramente, precisamos saber que o dublador não trabalha sozinho. Ele é escolhido e acompanhado pelo cliente. Um diretor de dublagem e um tradutor, que em alguns casos são a mesma pessoa, também fazem parte da equipe. Para que a dublagem seja feita, é necessário um roteiro das falas, assim como na atuação “tradicional”. Esse roteiro não pode ser, simplesmente, uma tradução do roteiro original. É necessário que adaptações sejam feitas.
Essas adaptações são importantes por vários motivos. Uma mesma frase no idioma de origem e em português podem ter tempos de fala muito diferentes. Na maioria das vezes, inclusive. Portanto, é preciso encontrar sinônimos ou adaptar a tradução, para que o tempo da frase em português se encaixe no tempo da frase no outro idioma. Outro ponto importante para as adaptações é a “entrega” da produção em questão. Onde o filme será exibido, em qual horário e qual o público-alvo.
Por exemplo, imagine que será feita a dublagem de um filme que será exibido na “Sessão da Tarde”. Este filme irá ser exibido no período da tarde na programação da rede Globo, uma rede de TV aberta. Por isso, este filme poderá – e provavelmente será – visto por muitas crianças. Esta produção de dublagem terá restrições quanto à palavrões e ao cunho de piadas e brincadeiras.
Os tradutores e dubladores encontram uma grande dificuldade ao se deparar com algumas informações e características específicas presentes nas falas originais dos personagens. Informações como dados, estatísticas e nomes de localidades podem causar bastante problema. Imagine que o filme a ser dublado se passe em Nova York. Os personagens talvez conversarão, em algum momento, sobre estatísticas de violência do lugar, sobre os diferentes bairros, ou sobre como algum bairro é muito violento. Ou ainda, a menção de algum programa local. Alguns clientes pedem ao estúdio de dublagem que esse tipo de dados sejam adaptados para que o público brasileiro se identifique. Esse é um ponto bastante delicado, pois na maioria das vezes é muito visível a diferença de localidade e realidade.
Características do modo como os atores originais falam também podem ou não ser preservadas. Depende muito do propósito do filme e da viabilidade de manter as peculiaridades do modo de falar da produção original. Como exemplo, podemos citar o filme “A Família Buscapé”. O filme conta a história de uma família do interior dos Estados Unidos, que ficou rica após um poço de petróleo ter sido descoberto no terreno que a pertencia. Assim como no Brasil, os Estados Unidos possuem diversos sotaques espalhados pelo país. Por ser um filme de comédia, o foco é dado às trapalhadas da família de interior em uma cidade grande. Assim, na hora de fazer a dublagem, foi muito válido conferir aos membros desta família o sotaque pertencente ao estereótipo do “caipira” brasileiro.
Agora que você já sabe que existem restrições impostas pelo simples fato da mudança de idioma e pelo público que assistirá a produção, está na hora de saber que existem adaptações impostas pelo cliente. Não são apenas palavrões que incomodam. Palavras como “roubar”, “ladrão” e “bunda” não podem ser utilizadas pelos dubladores. Por isso, acontecem adaptações esquisitas, como “traseiro”, “buzanfa” e “popozão”. Em seu canal no Youtube, o dublador Wendel Bezerra tem um vídeo muito interessante sobre o assunto, que possui o título “Adaptações na Dublagem”. Questionados por Danilo Gentili sobre essas adaptações que soam bizarras aos nossos ouvidos, Wendel e Garcia Jr., também dublador, comentaram sobre tais adaptações e as exigências dos clientes. Você pode conferir as entrevistas no canal do programa The Noite, do SBT.
Para finalizar essa conversa, gostaria de deixar a minha teoria para o uso do termo “tiras” ao invés de policiais. Em inglês, o termo mais utilizado para policial é “cop”. A diferença no tempo de fala das palavras “policial” e “cop” é bem grande. Na dublagem, o sincronismo entre o movimento da boca do ator original e a fala do dublador não funcionaria utilizando a palavra policial. Por isso, outra palavra foi procurada para a substituir, chegando-se ao termo “tira” como a melhor opção. Você acha que a minha teoria faz sentido? Existem outras palavras ou frases que te incomodam na dublagem brasileira? Compartilhe com a gente a sua opinião!
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