Adaptado do livro de mesmo nome da escritora inglesa Daphne Du Maurier, Rebecca, a Mulher Inesquecível de 1940, dirigido pelo aclamadíssimo Hitchcock, conta a angustiante estória de uma mocinha órfã e sem nome (Joan Fontaine), que trabalha como dama de companhia de uma borboleta social em Monte Carlo, onde conhece o misterioso Mr. de Winter (Laurence Olivier), proprietário da famosa Manderley e viúvo de Rebecca por circunstância de um terrível acidente que o perturba e o afasta de sua preciosa mansão. Maxim, como é chamado, seduz a mocinha e a propõe casamento, levando-a ao sombrio lugar. Rebecca é considerado por muitos um suspense psicológico e/ou policial, mas prefiro analisar como romance gótico.
Julgarei o filme como adaptação do livro, uma vez que acabo de lê-lo e não seria honesto dizer que conseguiria separá-los. Ambas as obras são de uma qualidade inegável, ainda que de diferentes maneiras. O livro é inspirado em Jane Eyre da escritora vitoriana Charlotte Brontë e se utiliza de uma linguagem estilisticamente gótica e taciturna. Em Jane Eyre temos também uma órfã insegura que se apaixona por um homem da alta sociedade e que domina-a pelo fato de fazê-la acreditar que tem a sorte de ser retribuída, que não se posiciona em igualdade para com o companheiro. Maxim é Mr. Rochester, porém mais bruto e odioso e Bertha Mason é a inspiração para Rebecca, the mad woman in the attic, elemento recorrente nas narrativas do gênero. Não era incomum que mulheres insubordinadas fossem consideradas anormais e loucas e então trancadas ou até “sacrificadas” naquela época. No entanto, o filme suaviza as problemáticas do livro, o clímax original é mais perturbador do que a audiência dos anos 40 aceitaria naturalmente. Isso acontece em muitas adaptações clássicas, como no filme Menina Má, inspirado no livro homônimo de William March. De todo modo, é uma adaptação que se sustenta bem.
O suspense da narrativa baseia-se na mansão similar a uma abadia vitoriana, nos mordomos impessoais e fantasmagoricamente pálidos, na agonia constante do mar e na presença etérea da mulher morta, inesquecível. O aspecto selvagem de Manderley em si, parece uma simbologia para o tormento incessante de seus moradores. É extremamente interessante como o terror pode se concentrar nas complicadas relações humanas, estar mais presente em uma mente perturbada pela inveja e pelo ciúme do que na escuridão de um cemitério. Esse é um elemento muito comum nas narrativas góticas e muito aplicado em grandes obras como Wuthering Heights, Jane Eyre, Os Mistérios de Udolpho e O Castelo de Otranto.
A construção de alguns personagens, contudo, deixa a desejar. Olivier é um ator admirável, mas não acho que foi a escolha perfeita para o papel de Maxim. Não há nada sombrio em sua aparência ou seu jeito de ser e vestir, parece mais amedrontado do que selvagem. Ele foi desenhado como uma versão mais extrema de Mr. Rochester de Jane Eyre, mas não é o que faz parecer no filme, é até mais carinhoso com a esposa do que esperado. Maxim trata-a como se achasse o seu comportamento engraçado, não como se a infantilizasse, de acordo com o texto de Du Maurier. Na adaptação da BBC de Jane Eyre, Rochester foi muito bem interpretado por Toby Stephens e acho que ele saberia dar vida a Maxim tão bem quanto – se Hitchcock o tivesse conhecido, vou ousar dizer que concordaria. Mrs. Danvers, a governanta que adorava Rebecca e por isso odeia a recém-casada, não tem o tão necessário sorriso de escárnio quando se refere a heroína, algo mais do que julgamento, um olhar diabólico. No filme ela parece apenas impassível, quase inexpressiva. Também o primo da falecida, Mr. Favell, não é grotesco como deveria. Até o cachorro, que é originalmente descrito como grande e gordo, é “interpretado” por um cachorrinho fofinho e adorável, perdendo o que poderia ser um dos efeitos graves do filme.
Não tenho crítica alguma ao trabalho de Fontaine, no entanto. Ela consegue ser tímida, apaixonada e impressionável em doses suficientes. O que a prejudica, na verdade, é a interpretação de Mrs. Danvers, que faz parecer que a agonia da mocinha é simplesmente exagerada. Ben, um dos elementos usados para também transtornar o leitor, é introduzido no filme de maneira adequadamente bizarra, seguido de uma ondulação dramática na trilha sonora, típica dos filmes de Hitchcock. A doença mental do personagem, um homem idoso de maneiras infantis, é usada como instrumento amedrontador – por mais problemático que isso soe aos ouvidos contemporâneos – algo que não era incomum nos filmes de horror do começo do século passado.
No roteiro do filme, alguns diálogos foram cortados e modificados sem qualquer necessidade, como a brilhante conversa entre a heroína e Maxim no carro, em Monte Carlo, onde ela sugere como adoraria colecionar memórias. Muito da áurea gótica e agonizante da narrativa se perde no filme, isso por ser extremamente difícil transmitir a “sombriedade” dos escritos góticos para adaptações, pois são muitos detalhados e a descrição dos cenários no papel parece mais capaz de inquietar a imaginação. É uma estória muito complicada de se adaptar em duas horas. Uma minissérie seria mais apurada e satisfatória. Contudo, mudanças em adaptações são bem-vindas, pois o livro é um texto que pode inspirar diversas interpretações, o problema surge apenas quando o filme perde o espírito principal do que está contando.
Exemplo disso é como a mocinha toma consciência de sua importância antes da revelação principal do enredo, o que compromete – e muito! – a adaptação. Ela não é insegura apenas por natureza, mas por causa da insistente lembrança da morta, da contínua sensação de comparação e batalha com quem não pode enfrentar. Creio que flashbacks com Rebecca seriam uma maravilhosa adição, ainda que silentes, apenas para enfatizar a presença generalizada dela. Entretanto, a mudança mais bruta no roteiro se dá especialmente pela humanização de Maxim, que é apresentado como um personagem mais amável, fácil de ser justificado pelo espectador. A vilania então é invertida, quando o caso é que Rebecca não é a vilã da estória, muito menos Mrs. Danvers, o único personagem realmente execrável é Maxim, mesmo que as suas atitudes sejam amenizadas no filme. O crime torna-se – comicamente – “um acidente”. O dono de Manderley é na verdade, o dono das duas mulheres, pois não há diferença entre as esposas e o cachorro de estimação. Se bem-comportada, é acariciada e infantilizada; se subversiva, é anormal, sacrificada.
Rebecca, a Mulher Inesquecível, apesar de tantas falhas é um impressionante filme para sua época. Lembra um pouco Um Lugar Ao Sol, protagonizado por Elizabeth Taylor e possivelmente, quem gosta de um vai gostar do outro. Ambos contam com uma atuação feminina singular e uma atmosfera suficientemente arrebatadora. Uma das melhores cenas é o momento dos vídeos caseiros da lua de mel dos recém-casados, ainda que tenha drasticamente diminuído um dos melhores diálogos do livro. Para quem assistiu ao filme apenas, é uma cena bastante satisfatória, na qual a escuridão da sala e o aspecto sombrio das projeções dão um ar grave à conflituosa relação entre o par. Algumas trocas de locações e ocasiões são também louváveis, mais cinematográficas, pois é um bom filme sozinho. Em comparação ao livro, porém, falta fôlego e intensidade.
Vencedor de dois prêmios importantíssimos da Academia, Oscar de Melhor Filme e Melhor Fotografia, e com aprovação de 100% no Rotten Tomatoes, Rebecca, A Mulher Inesquecível é um clássico que todo fã inveterado do gênero deve assistir e apreciar.
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