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“Como o curso de piloto era muito caro, eu optei por ser diretor de cinema” – Entrevista com Dedé Santana

Se você, assim como eu, teve uma infância regada a Cinema, TV e muita Sessão da Tarde, você provavelmente o conhece. E se você era mais ligado à uma boa leitura de quadrinhos, certamente o conhece também. Ou até mesmo se você, ao invés de filmes e quadrinhos, preferia passar o tempo curtindo LPs de músicas infantis na sua vitrolinha, você também já ouviu o nome dele. Afinal, nosso entrevistado foi por décadas integrante de um grupo que basicamente DOMINAVA todas as mídias possíveis. Em nome do Cin3filia, tive o orgulho de entrevistar Manfried Santana, ou melhor dizendo DEDÉ SANTANA.

Zacarias, Renato Aragão, Dedé Santana e Mussum em “Os Trapalhões”.

Cin3filia: Primeiramente gostaria de agradecer a você por disponibilizar um tempinho para nós. Eu, particularmente, sou fã do seu trabalho desde criança e é uma honra poder te fazer essa entrevista.

Dedé: Mateus, eu quero dizer que eu tô muito feliz de falar com você e agradecer essa oportunidade de eu falar um pouco de cinema. Eu gosto muito de falar de cinema.

C: Quem acompanha o seu trabalho, sabe que você foi o responsável pela direção de alguns dos filmes dos Trapalhões. Sendo você um artista circense, como foi adaptar o mundo do circo para as telas do cinema nestes filmes em que você dirigiu?

D: Não foi uma adaptação. Porque do circo eu fui pro teatro; do teatro eu fiz um curso em São Paulo com o Ary Fernandes – que fez “O Vigilante Rodoviário”. Foi ali que eu aprendi o que é fazer ruído de sala, aprendi dublagem, aprendi um pouco de montagem com o Fauzi Mansur; e eu fiz assistência de direção também. Então não foi muito difícil pra mim, visto que o meu sonho não era ser artista de cinema. Eu tinha dois sonhos na vida: ser diretor de cinema ou piloto de avião (risos). Mas como o curso de piloto era muito caro, eu optei por ser diretor de cinema.

C: Existe algum diretor de Hollywood que te inspirou nos seus trabalhos de direção?

D: Tem alguns diretores de Hollywood que eu gostava muito de ver, como Hitchcock e outros. Mas o que mais me inspirou pra fazer direção de cinema foi um diretor brasileiro chamado J.B. Tanko. Foi com quem eu aprendi muito de cinema. Ele era um verdadeiro artesão do cinema nacional. E o Roberto Faria também; gostava muito da direção dele. E nas comédias eu gostava muito, muito de ver o Vitor Lima. Esses eram os diretores que eu gostava muito de ver; gostava muito do trabalho que eles faziam.

C: Em algumas entrevistas, você já chegou a dizer que o filme “A Filha dos Trapalhões”, de 1984, era a sua “menina dos olhos”. Qual o motivo da sua admiração por este trabalho específico?

D: Olha, na realidade, todos os filmes que a gente dirige é como se fosse um filho; não dá pra você falar melhor de um ou de outro. Eu fiz um filme que foi o mais elogiado dos Trapalhões, que foi “O Mágico de Oroz”. Por quê eu digo que “A Filha dos Trapalhões” é a minha menina dos olhos? Eu sou oitava geração circense, e ele é um filme que eu fiz a história e ela se passava toda em um circo. Então mostrava o Natal, como se fosse o Natal da minha família, no Circo. Eu reproduzi isso nesse filme. E o final do filme, também, eu gostava muito; terminava num picadeiro e tudo que se refere a Circo eu fico muito feliz em fazer. Então, eu acho que as sequências que eu bolei nesse filme foram muito bem feitas. Se você assistir esse filme, você vai ver que ele é rico nas sequências que eu apresentei.

Renato Aragão e Dedé Santana em “A Filha dos Trapalhões” (1984)

C: No momento, você tem algum projeto futuro para o cinema, seja como ator ou como diretor?

D: Tenho sim. Eu digo sempre isso, que seria talvez o último filme que eu iria participar. Eu fiz uma história que se chama “O Tribunal”. É um filme muito bonito, com uma história bem diferente de tudo que eu já fiz até hoje no cinema. É um papel de muita responsabilidade. Eu não vou poder nem dirigir. Eu quero um diretor pra me dirigir nesse filme, e já estou pensando em vários, pra ver qual aceitaria me dirigir, porque vai ser um papel bem difícil pra mim.

C: Você ainda encontra tempo para ir ao cinema hoje em dia?

D: Encontro sempre. A única coisa que eu não deixo de fazer é ir ao cinema. Só que eu não gosto de ir sozinho; gosto de ir acompanhado por alguém. E eu tenho ido muito com a minha filha, que é atriz também, Iasmin Santana. Ela já fez 3 ou 4 filmes, participações, é atriz de teatro, faz uma peça que se chama “Violetas na Janela” há mais de um ano e participou em uma novela da Globo. Ela também gosta de cinema; e a gente vai junto. Mas eu sempre dou um jeitinho de ir pra saber o que é que tá acontecendo no mundo do cinema.

C: Atualmente, no cinema nacional, temos uma gama imensa de filmes de comédia adulta, mas muito poucas obras voltadas para o público infantil. Se você fosse chamado, hoje, para dirigir um filme infantil, você o faria?

D: Olha… Na realidade, eu acho que não. Porque o cinema e as técnicas mudaram muito. E essa garotada nova que ta aí, ta dirigindo muito bem. Posso citar alguns filmes, por exemplo, os do Hassum. Vi dois filmes do Hassum e achei maravilhosos, muito bem feitos, uma direção dinâmica. E eu participei também do Shaolim do Sertão – que eu tive a sorte dele ter ganhado como melhor comédia do ano. Provavelmente, eu não aceitaria fazer um filme hoje. Mas sobre filme infantil, se fosse uma boa história, eu acredito que até toparia fazer porque eu gosto muito. Aliás, eu soube agora que estão fazendo um filme infantil que é com a Turma da Mônica. Se for tão bom como o espetáculo que eu estou fazendo, acredito que vai fazer muito sucesso. E realmente, no Brasil, tá faltando filme infantil.

C: Dentre as 11 maiores bilheterias nacionais estão dois filmes d’Os Trapalhões (“Os Saltimbancos Trapalhões”, de 1981 e “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão”, de 1977). Na sua opinião, o que atraía tanto o público brasileiro nos filmes do grupo?

D: Olha, eu tô contente com essa pergunta, porque “Os Saltimbancos Trapalhões”, toda a parte feita nos Estados Unidos, foi direção minha. Depois, no Brasil já foi o J.B. Tanko. Mas eu acho que o que trazia o público ao cinema era a mesma coisa que a gente conseguia fazer na televisão. Não sei se você sabe, mas os primeiros oito ou dez filmes nossos – você deve saber, com toda certeza – não era Os Trapalhões; era só Dedé e Didi. Todos eles foram sucesso de bilheteria. Nós chegamos às dez maiores bilheterias do Brasil. A gente tinha sete filmes entre as dez maiores bilheterias do Brasil. Mas eu acho que era o amor e a sinceridade com que a gente fazia esses filmes. Era um humor ingênuo, que fazia a criança torcer. Eu sempre digo uma coisa; eu acho que “Os Trapalhões” ensinou as crianças a irem no cinema e assistir a filme nacional. E ali, eles se acostumavam a ver aqueles atores, que depois viam em filmes mais sérios. E eu tenho uma queixa sobre isso: eu dirigi vários filmes dos trapalhões, fiz vários roteiros, também nunca tive dublê no cinema, quem marcava as lutas, todas a brigas dos filmes era eu; e eu nunca fui convidado pra participar, ou visitar ou pra assistir um festival de cinema como, por exemplo, o de Gramados. Tenho uma grande queixa disso.

Renato Aragão, Lucinha Lins, Mussum, Zacarias e Dedé em “Os Saltimbancos Trapalhões” (1981)

C: Nós sabemos que hoje, o humor é muito diferente de algumas décadas atrás, quando ainda se podia ter uma linguagem mais despojada. Sobre o remake dos Trapalhões, produzido em 2017 como homenagem ao programa original, o que você tem a dizer sobre esse contraste entre o humor politicamente incorreto de alguns anos atrás e o atual?

D: Bom, o que eu tenho a dizer primeiro é que houve uma confusão muito grande. Algumas pessoas achavam que Dedé e Didi queriam substituir Mussum e Zacarias, o que era uma coisa impossível; substituir um Zacarias, um talento incrível daquele. Sempre achei ele o melhor ator do grupo. Aliás, o único ator do grupo, esse mineirinho de Sete Lagoas. E o Mussum era um grande improvisador. Na realidade, o que a Globo quis fazer e a nossa intenção, era uma homenagem aos trapalhões. Coisa que muita gente não entendeu. Os garotos poderiam até ter ido melhor, porque eles são ótimos artistas, ótimos atores. Ta aí o Mumuzinho, que provou isso fazendo várias imitações de cantores; chegou até a ser premiado no Programa do Faustão, se não me engano. O que acontece é que esse humor politicamente correto amordaçou os meninos. Eles não podiam sair e quando saiam um pouco fora, com alguma piada que era típica dos trapalhões, a direção segurava. Eles fizeram o que foi possível. Palmas pra eles que eles merecem.

Zaca (Gui Santana), Didico (Lucas Veloso), Dedeco (Bruno Gissoni), Tião (Nego do Borel), Mussa (Mumuzinho), Didi (Renato Aragão) e Dedé (Dedé Santana) no programa “Os Trapalhões” (2017)

C: Eu me lembro de alugar inúmeras vezes na locadora próxima da minha casa os VHS’s de “O Noviço Rebelde” (1996) e “Simão O Fantasma Trapalhão” (1998), além de ter assistido várias vezes na Sessão da Tarde alguns clássicos dos trapalhões como “Os Trapalhões e o Magico de Oroz” (1984). Para os leitores mais jovens, que talvez nunca tenham assistido a nenhum filme dos Trapalhões, qual título você sugere que eles vejam pra ingressar neste mundo fantástico de humor fantasia que vocês criaram?

D: Eu tenho a minha opinião, né; talvez não seja a mesma que a sua, mas tem um filme que eu gosto muito, que eu acho o melhor trabalho do Renato Aragão e do Dedé Santana no cinema. É o “Aladim e a Lâmpada Maravilhosa”. Aí já pularia para os quatro, com “Os Três Mosquiteiros Trapalhões”. Sim, “mosquiteiros” (risos). Também gosto muito e acho que foi um filme que mostrou bem o que é “Os Trapalhões”. Então, eu começaria, por eles. E os filmes que você me falou que assistiu, já era uma era mais moderna, de diretores mais novos, que eu também gosto muito.

"Aladim e a Lâmpada Maravilhosa" (1977)
"Os Três Mosquiteiros Trapalhões" (1980)

C: Mais uma vez, muito obrigado, pela disposição, Dedé. O site Cin3filia fica grandemente agradecido por você ceder um pouquinho do seu tempo para nos responder essas perguntas. Desejamos a você muito sucesso nos seus próximos projetos!

D: Eu que agradeço o seu carinho e a sua lembrança. Inclusive, se você não leu, vou recomendar pra você. Tem um livro do Rafael Spaca que se chama “Cinema dos Trapalhões”. Ele fala muito do que eram os filmes dos trapalhões. Se você puder dar uma olhadinha, ele é muito bom.

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Mateus Abreu

Formado em Ciências Biológicas (graças ao Jurassic Park), amante de tudo que é relacionado a cinema (chego cedo pra pegar lugar bom na sessão), colecionador de filmes há 12 anos e palhaço nas horas vagas (e ai de quem falar mal de Trapalhões na minha presença).

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