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Razão e Sensibilidade – o uso do azul nas adaptações dos livros de Jane Austen

Razão e Sensibilidade (1995) de Ang Lee, com roteiro vencedor de Oscar de Emma Thompson e atuações de Hugh Grant, Kate Winslet e Alan Rickman é sem dúvidas uma das melhores – e mais longas – adaptações de Jane Austen para o cinema. O filme trata da estória das duas irmãs Dashwood, Elinor e Marianne (consecutivamente razão e sensibilidade) e as dificuldades que têm que passar após a morte do pai, uma vez que na era regencial na Inglaterra (1811 – 1820), as mulheres não tinham o direito de herdar propriedades legalmente. Apesar das diferenças de personalidade enfatizadas no título, ambas são muito inseguras, introspectivas e simples, de acordo com os ideais neoclássicos e românticos da época.

Ang Lee adapta essas questões brilhantemente a partir dos figurinos e da fotografia do filme. É bem sabido que as cores são um importante elemento para expressar sentimentos e situações no cinema e, no caso dos filmes adaptados dos romances de Jane Austen, o azul, o verde e o vermelho são aparições quase que religiosas. Isso porque Austen escreveu largamente sobre a situação das mulheres na Inglaterra oitocentista e, com exceção de Emma Woodhouse e Elizabeth Bennet (ambas sempre representadas a partir de cores mais fortes como o vermelho e o marrom), a maioria de suas protagonistas são mais racionais ,Elinor Dashwood, melancólicas ,Anne Elliot, ou excessivamente tímidas, Fanny Price. E qual cor seria melhor para simbolizar esses sentimentos taciturnos e intelectuais do que o azul? Assim sendo, Lee trabalha muito bem os tons azulados no cenário e nas roupas das duas irmãs.

Marianne Dashwood (Kate Winslet) é uma linda dama da sociedade que foi educada aos tradicionais moldes ingleses e domina as artes de declamar poesias e tocar sonetos e baladas românticas no piano. De fortes convicções artísticas e morais, “era-lhe impossível admitir algo em que não acreditava”. No início do filme, Marianne se apaixona por um cavalheiro de posses chamado Willoughby, que apesar de muito compartilhar de suas crenças e gostos, pouco se compara em dedicação. Lee então veste Winslet de tons mais alegres e joviais, como em musselinas floridas ou tons pastéis. Com a decepção amorosa que se segue aos dias românticos de Marianne e sua mudança de caráter ao final do longa, Winslet passa a vestir tons azulados claros e vestidos de algodão, estes simbolizam simplicidade e resignação.

Elinor Dashwood (Emma Thompson) se difere da irmã apenas pela sua invariável racionalidade e seu gosto pelo desenho. É a irmã mais velha e, apesar de estar apaixonada pelo elegante e tímido Edward Ferrars desde os primeiros minutos do filme, nunca perde seu senso de julgamento e nem cai em estúpida afetação, sendo descrita pela própria Austen como “afetuosa de espírito e forte de sentimentos”. Thompson, portanto, está quase sempre em tons de azul escuro, salvo por poucas cenas, como quando vai ao baile da alta sociedade em uma simples seda lilás azulada. Ao final do filme, ao se casar com o mocinho e conseguir o seu final feliz como acontece a todas as heroínas austenianas, Elinor aparece em um tom forte com estampas mais radiantes.

Por si só, essa maneira encontrada por Lee de simbolizar o caráter e as situações das protagonistas a partir de suas vestimentas já é genial, mas também vale a pena falar de como as cores aparecem nos cenários. No início do longa, na mansão Dashwood, o azul está por toda parte como sinal de sobriedade e elegância. Mais adiante, o verde aparece na tela para representar paz e bem-estar. Com a decepção e doença de Marianne, o azul volta cinzento para denotar tristeza e introspecção e ao final do filme, o azul e o verde compartilham a dicotomia razão e sensibilidade.

As atuações de Thompson e Winslet são perfeitamente acordantes com as descrições do livro e vão agradar todos os fãs da escritora inglesa mais estudada de todos os tempos. Hugh Grant faz o mesmo papel de sempre desde o sucesso de Quatro casamentos e um funeral (1994) e concebe o par romântico de Elinor, Edward Ferrars, sendo socialmente embaraçado e notavelmente tímido muito parecido com o mocinho mais popular da autora, Mr. Darcy. Alan Rickman faz um trabalho excepcional ao dar vida ao taciturno e modesto Coronel Brandon, mas não é nenhuma surpresa com o histórico de excelência do ator. O brilhante roteiro adaptado de Thompson não deixa muito para que os atores fracassem de qualquer forma.

A trilha sonora é assinada por Patrick Doyle e como é comum nas adaptações de Austen, tais como Orgulho e Preconceito de Joe Wright, é maravilhosa e muitíssimo apurada aos gostos regenciais, notas simples e ao mesmo tempo fortes, tal qual os ideais culturais e econômicos efervescentes da época. Razão e Sensibilidade que conta com justos 98% no Rotten Tomatoes, é uma obra-prima do cinema e consegue algo que nem todas as adaptações são capazes de fazer, dar a um clássico incontestável e inesquecível, uma nova e ainda assim fiel maneira de recontá-lo.

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Thainara Amorim

Uma vitoriana nascida – acidentalmente – em 1999, apaixonada por literatura, musicais e filmes de terror!

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