Um Janela de muitas vozes: 12º Janela Internacional de Cinema do Recife

O Janela Internacional de Cinema do Recife traz em seu 12º ano uma rica programação. São 50 filmes entre longas e curtas-metragens de vários países.

Além disso, o festival ainda traz alguns clássicos em versão restaurada para deleite dos cinéfilos como Tudo sobre Minha Mãe (Almodóvar, 1999) e lançamentos aguardados como O Farol (Robert Eggers, 2019).

Mas, vamos falar dos filmes, que é o que interessa.

Fotos: Victor Jucá

Quebramar, Cris Lyra (2019)

O filme acompanha um grupo de jovens lésbicas passando o fim de ano na praia e aborda temas como o corpo, seus conflitos pessoais, memórias e afetos.

Filmado de maneira sutil, com imagens fortes, mas não apelativas, Quebramar caminha em uma linha tênue entre os conflitos individuais e o discurso político de minorias.

Como uma boa surpresa, o curta acerta em focar no retrato dessas mulheres cheia de traumas, que estão se descobrindo e, ao mesmo tempo, criando um forte laço. Suas duras experiências, mesmo sendo parecidas, são sentidas de maneiras totalmente diferentes, com seus próprias consequências e assimilações.

Ao trilhar esse caminho, vemos que seja como for, no final, o que nos conforta e dá força são os afetos construídos entre nós como seres humanos.

Para Todas as Moças, Castiel Vitorino Brasileiro (2019)

Aqui, temos um filme que não sei nem como foi selecionado em um festival de cinema. O curta é um ensaio em que uma narradora profere uma espécie de macumba – em algo que parece ser um microfone de computador – enquanto passa imagens de um corpo e de coisas desse ritual.

Se a intenção foi ser de alguma forma subversivo, não saiu do superficial. Uma subversão adolescente, sem nenhum aspecto efetivo tanto na linguagem discursiva quanto na cinematográfica.

Sete Anos em Maio, Affonso Uchôa (2019)

Este curta é efetivo em contar a história de um jovem negro que sofreu violência da polícia sem nenhum motivo específico. Sete Anos em Maio (2019), começa com uma simulação do acontecimento, em um lugar escuro e com uma câmera pungente. Não sabemos de nada, só vemos aquela situação absurda e imaginamos o que está acontecendo.

Mas o ponto alto é quando o próprio Rafael conta sua história em um longo monólogo, de frente para uma fogueira, em uma câmera fixa. Ouvimos apenas suas palavras e olhamos sua expressão. Um relato forte, que não poderia impactar melhor do que proferido por quem sofreu.

Após o relato, o curta entra em um diálogo que, claramente ensaiado, faz perder a força do filme. Já no final, um policial faz a brincadeira do “morto-vivo” com um grupo de jovens negros, que poderia até funcionar como metáfora, mas vindo depois do relato – ponto mais impactante – já não causa sensação alguma.

Casa, Letícia Simões (2019)

O documentário mostra Letícia – diretora e narradora – que volta a sua casa em salvador, onde mora sua mãe, que sofre de bipolaridade, e sua vó. O filme alterna entre a filmagem do cotidiano da família – seus laços afetivos e seus conflitos – e o ensaio, onde Letícia reflete sobre memórias e situações.

Nos momentos de pausa para a reflexão, o filme se parece muito com “Elena” – até demais. Até mesmo o tom da voz de Letícia parece tentar alcançar o outro filme.

Nos momentos em que grava o cotidiano e a relação familiar, o documentário enche os olhos. Letícia deixa a câmera parada, em um único ângulo, nos tornando voyeurs, que observa aquela realidade semelhante a de muitas famílias brasileiras.

É na ambiguidade do relacionamento familiar que o filme acerta. Vemos o amor e o conflito em uma síntese paradoxal, mas demasiadamente humana. As relações entre mães e filhas, vó e neta, mulheres de diferentes gerações, criadas de formas diferentes, com uma visão de mundo que não se encaixa; ecoa de uma maneira natural e bela.

O afeto, a incomunicabilidade, os conflitos e a memória, temas recorrentes em toda família, aparece aqui de forma simples, mas humana, palpável.

No entanto, há um grande problema de montagem nessa narrativa. Em um determinado momento, o documentário chega em um clímax, onde nos envolvemos e emocionamos, mas ao invés de acabar, há um fade to black – de alguns segundos – e a imagem volta, trazendo uma nova reflexão sobre outro membro da família que quase não foi citado durante o documentário. Parece que Letícia se encantou com o próprio material e ninguém teve coragem de mandar cortar.

Mesmo assim, o documentário trouxe-me memórias da minha própria família e me fez refletir, o que já é um belo ponto positivo para uma obra de arte.

O Janela Internacional de Cinema do Recife segue com exibições de curtas, médias e longas até domingo (10). Os ingressos são a partir de R$ 5. Confira a programação completa aqui.

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Thiago Henrique Muniz

É estudante de Comunicação Social, cinéfilo, filósofo de boteco e gosta de escrever nas horas vagas

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