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Anna Karenina: cinema, teatro e literatura na adaptação do clássico de Tolstói

Anna Karenina (2012) do diretor britânico Joe Wright é uma das adaptações cinematográficas mais  interessantes e arriscadas do clássico homônimo de Tolstói. Misturando elementos do teatro à elegância e performatividade da elite russa do século XIX, Wright decidiu-se por um caminho que não havia trilhado com suas adaptações clássicas anteriores, Orgulho e Preconceito de Jane Austen e Desejo e Reparação de Ian McEwan (ambos também protagonizados por Keira Knightley), e recontou a obra de maneira bem menos ortodoxa.

O filme conta a estória de dois núcleos familiares da elite russa oitocentista, o núcleo da heroína que leva o nome da obra e o do proprietário de terras Levin, um dos melhores personagens da Literatura e que infelizmente não teve tempo de tela suficiente para agradar seus apreciadores. Anna Karenina, como Dom Casmurro de Machado de Assis, é não raramente confundido por uma narrativa apenas sobre traição, mas esse não é o caso. Esse que foi considerado pelo próprio autor como seu “primeiro romance sério” (e ele já tinha escrito Guerra e Paz), é um misto de temas filosóficos e sociais que abrange com admirável habilidade as diversas problemáticas correntes nos anos 1800. Wright, no entanto, decide privilegiar apenas uma parte do romance, o que não é de todo uma falha considerando que a obra original conta com mais de 700 páginas de conteúdo.

Fugindo de seu relativamente confortável modo de adaptar livros populares, Wright leva Anna Karenina a um patamar mais experimental e o filme imita uma performance de palco do início ao fim, com as passagens entre núcleos assemelhando-se muito às transições de atos no teatro. Com o privilégio da edição e da ausência de uma platéia ansiosa, Anna Karenina consegue fazer o espectador se sentir na presença dos atores e seus cenários majestosos de ares shakespearianos. Um dos pontos mais louváveis de Wright e que já havia sido bem apresentado na sua adaptação de Austen, é a forma como ele utiliza a trilha sonora e os movimentos dos atores e tudo parece extremamente coreografado, dando uma atmosfera ainda operesca ao longa. Luiz Fernando Carvalho já havia empregado essas técnicas em sua adaptação de Dom Casmurro e, com certeza, com mais eficiência. A tentativa de Wright, contudo, foi bastante válida, uma versão mais ostentativa de Capitu, eu diria.

A escolha de elenco é consideravelmente acertada, uma vez que não apenas o diretor mas o público já havia percebido como a Keira Knightley é perfeita para quase qualquer adaptação de época. Knightley faz uma Karenina impressionante e sua cena do baile com Vronsky, razoavelmente encenado por Aaron Johnson, é de tirar o fôlego. Domnhall Gleeson teria sem dúvidas sido um brilhante Levin caso tivesse oportunidade, mas foi suficientemente bom para o que lhe foi permitido. Jude Law como Karenin é surpreendentemente exitoso e conseguiu muito bem transmitir certas complexidades do protagonista original que é imprescindível para o desenrolar da estória. Matthew Macfadyen fez um Oblosnky exatamente como eu imaginava ao ler a obra de Tolstói e, sendo esse um dos meus personagens preferidos do romance, eu apenas teria comentários elogiosos a fazer à atuação elegante e equilibradamente cômica de Mcfadyen. O longa conta ainda com a participação de outros grandes atores, como Ruth Wilson que traz uma releitura quase moderna da elite burguesa oitocentista e parece, se enxergarmos com um olhar mais ousado, fazer referência até mesmo ao clássico dos anos 1980, Heathers.

Dono de uma fotografia incrível e uma trilha sonora condizente com os sucessos anteriores do diretor, além de um figurino magnífico, Anna Karenina não é uma adaptação completamente fiel e omite algumas cenas indispensáveis do livro, mas merece admiração justamente por ser essa sopa de elementos artísticos que às vezes mais parece um ensaio que um produto final, mas que ainda encanta e comove. Além disso, não há como errar demasiadamente com um livro fantástico, um diretor talentoso e atores igualmente competentes.

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Thainara Amorim

Uma vitoriana nascida – acidentalmente – em 1999, apaixonada por literatura, musicais e filmes de terror!

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