Coluna | Os Outros: A influência vitoriana nos filmes de terror psicológico

Os Outros (2001), dirigido por Alejandro Amenábar e com atuações de Nicole Kidman e Fionnula Flanagan, é um dos filmes de terror psicológico mais icônicos do início do século e se inspira livremente em um clássico bem conhecido por todos os amantes do gênero, The turn of the screw de Henry James. Como é comum na literatura vitoriana, o filme traz  junto aos conflitos sobrenaturais e aos elementos heréticos em relação ao catolicismo, muitas questões sociais e mostra com bastante eficiência a problemática das famílias destruídas pelo espectro da guerra e o despreparo das damas inglesas em tomarem a liderança da casa na ausência dos patriarcas em consequência da educação feminina falha e das ficções patriarcais do “Anjo do Lar”. A abundância de temas narrativos é mais do que suficiente para suprir a falta de recursos financeiros na produção do filme. Os Outros é a prova concreta de que grandes efeitos especiais não são o elemento principal na criação de uma boa obra de horror.

O filme se passa em 1945 e conta a estória de uma dama da sociedade que cuida de seus filhos sozinha numa enorme mansão após a longa ausência do marido em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Instável emocionalmente e sem condições de cuidar dos filhos que são fotossensíveis e precisam de total escuridão durante o dia e, ao mesmo tempo, fazer o papel de dona de casa, Grace Stewart (Nicole Kidman), decide colocar um anuncio no jornal a procura de empregados. Eventualmente, três candidatos chegam à casa e são contratados, um casal de idosos e uma moça muda.

Nos primeiros dias dos novos habitantes da casa, a senhora que se torna a nova governanta começa a perceber as peculiaridades da família, com a filha de Grace alegando que “um dia a mamãe ficou louca” e que é visitada por uma criança chamada Victor, o irmão desmentindo, mas sempre assustado e a mãe desconfiada e com discursos religiosos muito fanáticos para conter as crianças e, de certa forma, a si própria.

Seguindo a influência gótica da novela de Henry James, Amenábar concentra os elementos de tensão do filme nas imagens fortes criadas pelos diálogos entre as crianças e a mãe. A sensibilidade das crianças à luz faz com que todas as cenas delas sejam escuras e cheias de sombras dando um tom muito mais grave aos seus conflitos. O irmão está sempre desmentindo que a irmã vê fantasmas ou que a mãe dele é emocionalmente instável e o diretor não dá nenhum sinal do que é ou não verdade, deixando ao telespectador a chance de escolher se a irmã está sendo sincera ou se ela é apenas má e gosta de torturar o irmão impressionável.

Além disso, o fanatismo religioso da mãe é muito bem usado para causar desconforto não apenas nas crianças, mas consegue montar cenários assustadores também para quem está assistindo. Os Outros tem por volta de 104min e conta com pouquíssimos jump scares e quase nenhuma aparição de figuras sobrenaturais. O terror funciona para nós como funciona para Grace Stewart, com a constante dúvida e desconfiança em relação a tudo e todos.

O plot twist do filme é bem conhecido, mas poucas vezes bem aplicado nos grandes filmes, o que torna Os Outros ainda mais impressionante. A construção brilhante do roteiro e a atuação muito acertada de Kidman é o suficiente para assustar e maravilhar os mais exigentes. A atmosfera gótica e a mansão vitoriana são além de imprescindíveis para a narrativa psicológica, um ótimo bônus para os entusiastas das raízes do horror e funcionam em dose certa não se tornando em momento algum clichê ou antinatural. Com aprovação de 83% no Rotten Tomatoes e grandes indicações no Globo de Ouro e no Prêmio Saturno, Os Outros é um perfeito exemplo de como adaptar uma obra de horror oitocentista com eficiência, economia e estilo.

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