Crítica | Projeto Flórida (2018)

Um fato não se discute a respeito de “Projeto Flórida”: do início ao fim, é possível ver a mão segura de seu diretor Sean Baker ao retratar, como ele mesmo citou em uma de suas entrevistas de promoção do longa, a indigência oculta presente na sociedade americana de classe baixa. De um lado, a fábrica de felicidade Disneylândia, de outro, um motel de beira de estrada (aquela coisa BEM americana) em forma de um verdadeiro conjunto habitacional – e é nessa linha tênue que Sean e sua câmera subjetiva, presente em 90% da projeção, proporcionam um cinema completamente livre de padrões técnicos habituais, mas rico em introduzir o espectador ao ambiente do filme.

A trama, como já dito acima, se passa num motel popular, onde seus ocupantes são pessoas desempregadas, outras, no máximo, assalariadas e dependentes de ajuda do governo (algo que lembra o “nosso” Bolsa Família). O roteiro não transmite em palavras, mas outros que moram naquele conglomerado são, APARENTEMENTE, dependentes químicos e traficantes. Em meio a esse ambiente pesado, vivem as crianças Moonee (a revelação Brooklyn Prince), Scooty (Christopher Rivera) e Jancey (Valeria Cotto), as quais, no auge da infância, só querem curtir as férias de verão.

Percebe-se, então, a ausência de uma figura paternal educadora, já que elas não são simples crianças e sim pessoas que já sabem, inclusive, xingar e serem atrevidas com os mais velhos – e é nesse ponto que a atuação de Willem Dafoe (o eterno Doende Verde de Homem-Aranha, de Sam Raime), embora sem grandes extravagâncias, se destaca. Preocupado com a maneira que os meninos vivem abandonados pelos seus genitores (seja por força de trabalho ou mesmo por irresponsabilidade), o seu Bobby está sempre de olhos abertos aos movimentos dos pequenos. Seu carisma é instantâneo e, com esse cuidado, é quase impossível não lembrarmos o personagem Juan interpretado por Mahershala Ali no inesquecível Moonlight: Sob a Luz do Luar. Sua constante lembrança entre os indicados aos prêmios da temporada se justifica mais pela importância de seu personagem do que pela atuação do ator propriamente dita.

 

Um dos pontos abordados no roteiro desconstruído de Sean Baker e Chris Bergoch de uma forma que toca na ferida do governo americano, diz respeito à crise imobiliária desencadeada entre 2007 e 2008. Numa das cenas, o trio de crianças entra em um condomínio de luxo completamente abandonado, lembrando a mesma exposição crítica abordada em “A Grande Aposta”, de Adam McKay. O desfecho da cena é uma clara resposta de seus roteiristas à irresponsabilidade governamental.

Com tomadas belíssimas do pôr-do-sol, em contraponto com a silhueta dos personagens da trama, a fotografia consegue criar momentos encantadores, com destaque, ainda, para aquela constante câmera subjetiva, a qual, em nenhum momento, torna a projeção cansativa.

O elenco infantil realmente é um dos grandes destaques e foco de seu diretor e roteirista. Abordando atuações livres, tão livres que parecem conter inúmeros momentos de improviso, o resultado é quase que documental. Projeto Flórida tem a pegada de filmes independentes que realçam o lado pouco conhecido sobre os norte-americanos: a pobreza. Num esforço rápido, lembraremos de outras obras que têm a mesma ênfase, como “Indomável Sonhadora”, de Ben Zeitlin e “Preciosa – Uma História de Esperança”, de Lee Daniels, filmes difíceis de digerir, muito mais pelo centro de abordagem, pois para a maioria dos espectadores, esses são filmes que lhes tiram de sua zona de conforto.

Nota: 9,0.

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