Coluna | Raw: Um drama de terror feminista
“Uma jovem doce e insegura é totalmente arrancada de sua zona de conforto ao ingressar na universidade”. Essa poderia ser a premissa de qualquer besteirol americano, mas serviu como uma luva para o drama de terror da cineasta estreante, Julia Ducournau. Famoso por chocar as pessoas em salas de cinema e com bem merecidos 91% no site Rotten Tomatoes, Raw (2016) conta a estória de Justine (Garance Marillier), caloura no curso de medicina veterinária, que é forçada a passar pelos rituais bizarros de iniciação dos veteranos do curso, incluindo comer um rim de coelho cru. Justine é vegetariana e, após ser submetida ao trote dos universitários, começa a ser dominada por desejos mais profundos que vão além da vontade de comer carne animal.
Nos últimos anos, há felizmente uma crescente considerável de filmes do gênero sendo escritos e dirigidos por mulheres e, como também no caso de The Babadook (2014), entregando mais do que a proposta usual e mesclando com as cenas aterrorizantes, questões de cunho social. Nesse longa francês, Ducournau não perde a oportunidade de inserir os conflitos das jovens mulheres ao ingressarem no ensino superior, como a iniciação sexual feminina, a rivalidade entre irmãs e a insegurança ao ser introduzida a um novo espaço social. Raw não é simplesmente uma estória sobre canibalismo. A diretora soube, com uma efetividade louvável, produzir uma obra reflexiva e chocante em apenas uma hora e alguns minutos, trazendo temas como: despertar da sexualidade, corrupção da inocência, psicanálise e simbolismo para o espectador mais exigente.
Contando com uma produção cinematográfica brilhante, o filme de 2016 tem uma trilha sonora tão diferente quanto sua abordagem psicológica, que talvez seja a grande promotora das cenas de tensão. A fotografia com alto contraste e edição com boa habilidade de progresso, faz o espectador se sentir tão enjoado quanto intrigado pelo desejo canibal da protagonista. Todos os aspectos técnicos do filme trabalham para sua dramaticidade narrativa.
Além disso, é interessante ver como Raw traz um questionamento fortemente debatido entre os psicanalistas freudianos do século XX e que, depois do sucesso de A Tara Maldita (filme clássico de 1956) vêm sendo abordado de maneira muito superficial e chegando até ao clichê no cinema hollywoodiano. Será que a maldade ou a psicopatia podem ser parte da herança genética? É possível que uma mãe serial killer dê aos seus filhos o mesmo destino de maneira apenas biológica?
Respondidas as perguntas ou não, Raw, considerado pelos críticos um terror feminista, é com certeza um dos melhores filmes da nova leva de diretoras mulheres e, sendo capaz de fazer os canadenses desmaiarem ou apenas soltarem risinhos nervosos no Festival de Toronto, é potencialmente um futuro clássico do gênero, que poderá ser assistido às escondidas pelas crianças e pré-adolescentes da próxima geração.
Comentários
Thainara Amorim11 Posts
Uma vitoriana nascida – acidentalmente – em 1999, apaixonada por literatura, musicais e filmes de terror!