Crítica | Roma (2018)

Como filme de encerramento da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, foi exibido com exclusividade a nova película de Alfonso Cuarón, “Roma”. O diretor ganhador do Oscar pelo filme Gravidade (2013) volta ao seu país de origem, o México, nesse belíssimo filme em preto e branco.

O ano é 1970.  Em pequenos episódios do cotidiano somos transportados para a vida de Cleo ( Yalitza Aparicio), uma das empregadas de uma família burguesa na cidade do México, no bairro que dá nome ao filme. A família para a qual Cleo trabalha é composta por um casal, seus quatro filhos, a avó e um cachorro. O pai é médico e quase nunca está presente e, ao chegar em casa, logo no começo do filme,  é recebido calorosamente por sua esposa e seus filhos. Nessa sequência, antes mesmo de mostrar o pai, o filme apresenta o seu carro,  grande demais para a pequena garagem, e que requer muita manobra para que se encaixe perfeitamente naquele espaço apertado. Enquanto Cleo segura o cachorro da família e os filhos aguardam alegres ao lado de sua mãe, as rodas do carro amassam os excrementos do cão.  Aos poucos, descobrimos que tudo que foi colocado nessa sequência é simbólico do momento que essa família está vivendo.

E é assim durante todo o filme, cada peça do cotidiano se apresenta primeiro como normal e corriqueira, mas por baixo dessa aparência há sempre o conflito e a crise que pode, a qualquer momento, fazer tudo desmoronar.

Quem realmente mantêm a casa e todos os outros personagens são as empregadas, Cleo e Adela, em contraste com a família branca, as duas são indígenas e são elas que cozinham, limpam e cuidam das crianças. Inclusive as crianças são muito ligadas afetivamente a Cleo. É ela que as coloca para dormir todas as noites e é pra Cleo que elas dizem “Eu te amo”.  E assim nessa relação misturada entre trabalho e afeto acompanhamos Cleo em uma narrativa que flerta com o neorrealismo e os filmes de DeSica.

Ao mesmo tempo, a sensação é de que a qualquer momento o realismo do cotidiano se converterá em realismo fantástico. O gênero literário típico da América Latina se vê representado em “Roma” em pequenas falas como, por exemplo, do caçula da família que insiste em contar suas histórias da época em que era adulto. Em suas palavras,  “as histórias que aconteceram com ele antes de ter nascido”. Mas a brincadeira com o fantástico nunca se completa de fato e  as cenas sempre terminam de volta ao realismo e ao cotidiano de Cleo.

Há enormes acontecimentos no filme, como um terremoto e um massacre a uma manifestação política. Acontecimentos que de fato marcaram esse período histórico na cidade do México, mas que sempre são vistas pelo olhar de Cleo. E assim a vida continua, mesmo que impregnada a cada passo com a possibilidade da morte,  os acontecimentos são só mais uma parte do fluxo da vida da personagem. E os planos que contam sua história são de uma beleza e precisão cinematográfica incrível.

 

O filme além de escrito e dirigido por Cuarón também foi editado e fotografado por ele. Talvez seja por isso a precisão de cada plano e cada cena. Um exemplo disso é a cena em que Cleo e seu namorado estão no cinema e ela aproveita daquela sala escura pra lhe contar algo difícil. A cena toda é contada em um só plano; enquanto vemos o filme ao fundo dos personagens e os outros espectadores ao redor da sala, o foco é em Cleo e em suas reações naquela última fileira do cinema.

A direção de arte é outro aspecto memorável desse filme. É ela que constrói  com maestria o universo da década de 70, desde os planos mais abertos pelo centro da cidade ( com os carros, os luminosos, os nomes das lojas e as revistas na banca de jornal), aos objetos dos quartos das crianças ( com brinquedos e pôsteres que contam muito sobre os personagens e o período histórico).

“Roma” antes mesmo de ser filmado já tinha sido muito falado pela mídia pela sua estratégia de distribuição, pois será veiculado em poucas salas de cinema mas já tem estreia prevista para até o fim do ano na Netflix. Porém, vale a pena ir ao cinema porque “Roma” tem enquadramentos  cheios de detalhes que merecem ser vistos em uma tela grande e um trabalho de som refinado que preenche a sala de cinema inteira. O lado positivo da distribuição na plataforma de streaming é que esse é  um daqueles filmes que ao sair do cinema já pede pra ser visto de novo, principalmente pela riqueza cinematográfica presente em cada minuto do filme.

 

Nota: 10

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